terça-feira, 24 de agosto de 2010

As artes do Egoísmo



Um dia, o Egoísmo se disfarçou de gente. Vestiu uma roupa e, entre gargalhadas, disse: - Vou buscar gente para prendê-las na minha Ilha da Solidão! Ele foi para uma cidade e batia de porta em porta, pedindo coisas para descobrir, nos gestos e nos olhos das pessoas que o atendiam, alguém que ele pudesse aprisionar. Toc...Toc...Toc...  A menina Gracinha, segurando uma velha boneca, abriu a porta, olhando-o, muito ressabiada: -Que quer? - Tenho uma netinha doentinha que está querendo um brinquedinho, igualzinho a esse que você está carregando, disse, fingindo. -Pois que continue doente! O Egoísmo estendeu suas garras para pegar a boneca, mas Gracinha agarrou-se fortemente ao brinquedo, gritando e batendo os pés.- Você não tem outras? - perguntou o Egoísmo.- Tenho. Mas são minhas! -Você é muito previdente! A minha netinha, muito descabeçada que é, sempre deu o que era dela para os outros. Agora, quando ela precisa, ninguém lhe dá coisa alguma! O mundo é assim mesmo! Por isso, Gracinha, acho que você está certa! O que é seu, é SEU! - Claro! O que é meu, é MEU! Ele se afastou e, quando Gracinha fechou a porta, tirou a roupa e ficou invisível. Quando alguém pedia qualquer coisa para Gracinha, o Egoísmo chegava bem perto do ouvido da menina e lhe falava: -Não dê! Lembre-se: o que é seu, é SEU! E ela obedecia. As traças comiam as roupas dela que ficavam guardadas na gaveta, mas ela não as dava para as crianças pobres. Na escola, quando Gracinha tomava o seu lanche, mesmo quando via uma colega a olhá-la com vontade, dizia:-O lanche é MEU! A mãe de Gracinha lhe chamava a atenção, mas ela não queria saber do que a mãe lhe falava. Fazia tudo para não tomar conhecimento da arte de socorrer famintos, da ciência de repartir, da religião do amor ao próximo. Ela ficou de coração duro! Depois de um tempo, o Egoísmo se materializou e foi à casa de Gracinha. Quando ela abriu a porta, ele colocou a porta, ele colocou a menina dentro de uma velha sacola e levou-a para a Ilha da Solidão, prendendo-a numa jaula, cercada por seus ferozes cães. Passado um tempo, Zito e o Coelho Chim começaram a procurar pela Gracinha. Chegaram perto da Ilha da Solidão e ficaram espiando com um binóculo para ver se encontravam Gracinha. De repente, avistaram a menina presa em uma jaula, sendo vigiada pelos cães do Egoísmo -Encontrei Gracinha!-falou, feliz, Zito. -Se ela está na Ilha da Solidão, porque ela não dá um jeito e dá no pé?-perguntou o Coelho Chim.  Acontece, Chim, que a ilha não tem uma só ponte, nada que a ligue à terra firme! -Como é que chegaremos lá? - Vamos aproveitar que a ilha está deserta e que os cães saíram para caçar! Antes, os dois amigos sentaram-se e tomaram um lanche juntos. Depois, Zito tirou um cabo de aço que jogou do outro lado, na ilha, e esticou muito bem, amarrando-oemuma árvore. Subiu no cabo de aço, qual equilibrista e chamou Chim. No primeiro pulo ... plaft ... caiu de cara no chão. Mas, rápido, se levantou e subiu no cabo de aço, andando atrás de Zito. Tremendo muito, o coelho estava cai-não-cai, nas águas lá embaixo. -Coragem, Chim! -Co... ragem... tenho! Oque não consigo... é... é... é andar! Zito, que já descera do cabo de aço, jogou uns pedaços de carne para os cães e, enquanto eles brigavam para comer, correu em direção à jaula e quebrou as grades, correndo de volta para o cabo de aço, com Gracinha. -Auf... Auf... Auf... Os cães já estavam perseguindo Zito e Gracinha, quando os dois chegaram juntos ao cabo de aço. -De volta Chim, gritou Zito. -Mas... nem cheguei ainda! -Aí vêm os cães! -Auf... Auf... Auf... Chim, ao ver os cães e com medo de ser comido, se pôs a correr pela corda, passando na frente de Zito e Gracinha, numa velocidade de avião a jato! Os cães, convencidos de que não conseguiam andar no cabo de aço, mergulharam na água, farejando o rastro dos fugitivos. Os três já estavam numa clareira, entre as árvores e o mato. -Aqui eles não nos pegarão! Disse Zito. -Estou... enfim... livre! - Como é que você veio parar na Ilha da Solidão? - perguntou o coelho. -Você nada respondia?-perguntou Chim. -Edaí?-perguntou Zito. -Mas... alguém ouviu!-assegurou Zito. -Eume deixei iludir pelo Egoísmo. Um dia, me apareceu um velhinho pedindo uma boneca estragada. E eu não a dei, dizendo que era minha e de mais ninguém. Desde então, passei a ouvir uma voz que me falava baixinho: "O que é seu, é SEU. Não deixe ninguém botar a mão." E também me repetia: "O brinquedo é SEU. Não dê aos outros. A roupa é SUA. Não deixe ninguém usá-la. O pão é SEUe coma só você, sem darumnaco para ninguém." - Boba de mim! Achava que estava tudo certo. Não dava de empréstimo e nem repartia coisa alguma que era minha. - Daí, fui perdendo as amiguinhas. Fui ficando abandonada... Até que, um dia... o tal do Egoísmo me apareceu e me prendeu na jaula, na Ilha da Solidão, onde fiquei a gritar e a gritar, sem que ninguém me ouvisse.-E quem me ouviu? -Sua mãe, que nunca perdeu a esperança de salvá-la das garras do Egoísmo. Ela ouviu os seus gritos de dor. E ela me contou sua história... aliás, uma história de todos os que querem tudo para si, aceitando as sugestões do Egoísmo. Ouviram, de novo, os latidos dos cães do Egoísmo e saíram correndo. Corta mato, atravessa mato, arranha que arranha, até que saíram numa estrada segura, voltando para casa e deixando os cães e o Egoísmo para trás. Noutro dia,emcasa, Gracinha ouviu bater à porta. Poc... Poc... Poc... Ao abrir a porta, viu um velhinho de longas barbas e longas orelhas, que lhe suplicou: -Tenho uma netinha doente que está cheia de vontade de comer cenouras! Ah! Minha boa menina, dizem que na sua casa tem uma bela horta e... quero saber semesocorre! Gracinha, sorridente, respondeu: -Claro que sim, meu bom "velhinho"... Chim! Pode entrar. -Ora... Como é quemereconheceu? -Porque o meu bom "velhinho" esqueceu de esconder as orelhas compridas e, também, pelo costume de pedir gulosamente por cenouras! Zito, atrás da árvore, caiu na gargalhada. Os dois amigos, recebidos gentilmente, encontraram-se com muitas pessoas que entravam e saíam da casa de Gracinha, agradecendo as doações generosas da menina. Ela aprendera a repartir o que era seu.
Texto adaptado por Wilson.
Bibliografia: - As Artes do Egoísmo,  Roque Jacintho, Editora FEB, 1ª ed., 1987

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